"Carreteis" de Iberê Camargo
a arquitetura é uma extensão da natureza, materializada por meio do marco projetual na paisagem. o horizonte artificial da cidade descreve e marca a passagem do tempo, favorecendo a compreensão do mundo. assim como a pintura de iberê, a cidade é uma tela que comporta inúmeras camadas e sobreposições de momentos da construção de um espaço. o construído nunca é um artefato isolado e independente, mas sim a composição e interação do tempo com o entorno e com o modo de viver da população. 
o passado da cidade influência de forma direta e indireta na construção e na maneira de vivenciar/sentir o espaço.  desvencilhar este aspecto ignora a real intensidade da obra. este aspecto também vale para as criações do artista, nas quais todo seu passado interfere substancialmente no processo compositivo. ​​​​​​​
analisando a orla da fundação iberê camargo e seu entorno, nota-se a existência de alguns problemas constantes por conta da sua grande extensão. a topografia criada é um dos fatores que dificultam o acesso franco à margem do guaíba e, muitas vezes, a conexão dos pontos de aglomeração de público. em meio aos pontos de maior vitalidade, há grandes zonas sem caráter ou função definida, o que dificulta o uso da orla como um todo. 
a fundação localiza-se em uma área de transição entre centro histórico e zona sul da cidade, com entorno monofuncional residencial, no qual a via em que está a entrada principal é de grande fluxo, dificultando a integração entre o espaço do museu e a orla. os pequenos grupos que disfrutam das margens da fundação são separados pela topografia e pela descontinuidade do espaço urbano. 
as diferenças de nível caracterizam a topografia da cidade. assim como iberê camargo sobrepunha a tinta, expondo na tela as informações de todo o processo de sua obra, as camadas de sedimento compõem a história da cidade. o processo de gratagem complementa o quadro, destacando o que está por baixo, e revelando o passado. esculpir uma paisagem, quando bem realizado, confere ao espaço seu verdadeiro potencial, mantendo cararcterísticas da topografia original.
como uma pintura e suas camadas de tinta, a paisagem é sobreposta/marcada por planos que rasgam e complementam a topografia. o processo traz profundidade e luz a este trecho da orla, tornando o cenário mais complexo e instigante, além de atuar de forma pontual sem agredir as visuais da fundação iberê camargo.
os planos resultantes das operações inserem as funções do programa, além de incorporar a visual do horizonte aos estares. a sucessiva repetição de elementos e seus eixos fortalece a composição. 
os braços, ao nível de entrada da fundação iberê, tem como ideia trazer a experiência de introspecção e observação do horizonte e contar a história pelas linhas da paisagem. ao nível do guaíba, localizam-se as funções que trazem maior movimentação de público, as quais são reveladas e evidenciadas pelo processo de gratagem.
para integrar melhor a fundação à orla defronte, propõe-se estratégias de “traffic calming”, o que gera melhor integração entre as duas interfaces - orla e fundação. este configura o ponto de partida para a costura urbana necessária entre pontos de atual vitalidade.
as barreiras e desconexão entre esses espaços também é física, onde a topografia gerada pela avenida padre cacique segrega os locais. exemplo é a “prainha”, o entorno imediato da fundação, tendo atmosfera agradável para o estar e o aproveitamento mais franco do guaíba, porém com acesso prejudicado pela topografia acentuada.
analisando as características e tendências da população, nota-se o anseio por espaços públicos abertos que proporcionem ambientes de troca entre os grupos e a natureza. por este motivo, o programa é composto pela qualificação e criação de novos espaços abertos de contemplação e estar. 
o programa, no geral, tem a intenção de fazer com que o público entre em contato mais profundo com o guaíba, utilizado anos atrás. esta premissa vem da afirmação de iberê camargo de não conseguir desvincular-se do passado e de como ele é importante para a sua obra.
a piscina, os piers e as visuais estão posicionados de modo a aproximar as pessoas do guaíba, do horizonte e da obra de Iberê camargo, por meio de uma arquitetura simples e pontual.
o nível ibere tem como programa base o de estar, observação do horizonte e introspecção. 
o nível guaíba, abrigará as funções que trarão mais vitalidade, relacionando estes espaços com a água. 
a “prainha” será qualificada em nível paisagístico, trazendo a tona seu potencial de introspecção e de estar. o estúdio do corpo une-se perfeitamente a atmosfera deste espaço, compondo juntamente ao plano horizontal, um local de reflexão, fazendo ao nível da fundação um paralelo com o centro histórico. 
um segundo estar abriga a função de canoagem, outra forma de prover vitalidade para a orla e utilização ao guaíba, além da piscina.  
o volume incrustrado na topografia abrigará o restaurante, sanitários, informação e acesso as funções da nova orla.
"minha contestação é feita de renúncia, de não-participação, de não-conivência, de não-alinhamento com o que não considero ético e justo. sou como aqueles que, desarmados, deitam-se no meio da rua para impedir a passagem dos carros da morte. esta forma de resistência, se praticada por todos, se constituiria em uma força irresistível. o drama trago-o na alma. a minha pintura, sombria, dramática, suja, corresponde à verdade mais íntima que habita no íntimo de uma burguesia que cobre a miséria do dia-a-dia com o colorido das orgias e da alienação do povo. 
não faço mortalha colorida. por que sou assim?
porque todo homem tem um dever social, um compromisso com o próximo. "
CAMRGO, iberê