
viajar sempre foi uma atividade intrínseca ao ser humano, independente de seus objetivos. foi na idade antiga, com a introdução da moeda pelos sumérios, onde as primeiras formas de acomodações temporárias são desenvolvidas, o embrião das atividades hoteleiras.
com o passar das décadas, as hospedarias vão tornando suas ofertas de serviço cada vez mais complexas, oferecendo de serviços de alimentação (refeição e vinho), a manutenção de charretes, aos banhos termais, gerando tipos mais específicos de acomodações e estrutura para o que viria a ser o turismo.
é com a revolução industrial que a atividade do turismo se concretiza e a demanda por melhor qualidade de hotéis se intensifica ao longo dos anos.
um relatório encomendado pela Amadeus, empresa de tecnologia dedicada exclusivamente ao setor global de viagens, e escrita pela consultora de tendências de consumo global, a future foundations, nos apresentam seis “tribos” diferentes de viajantes. o que encontramos em comum na maioria das tribos é a busca por experiências únicas e autênticas.
os consumidores da era pós-material buscam a experiência em primeiro lugar, seguida pela ética ambiental e social. o luxo toma novo sentido em um leque de significados, todos culminando para o enriquecimento de alguma forma. a chave do hotel do futuro é simplificar o que há de material e expandir as experiências.
reconhecendo o patrimônio, a vinícola Zanrosso, de caxias do sul, cria um espaço de contemplação ao vinho e a herança histórica da região. um lugar onde o vinho é desfrutado, abrangendo muito mais do que o ato de beber.
seu objetivo é aproximar o usuário da casa histórica com estares, restaurante, infraestrutura de spa e bem-estar, museu da vinícola, memorial da casa tombada, lojas, salão destinado à eventos e um bar no terraço, atraindo turistas e moradores da região, tornando os espaços ricos e diversificados.
apesar da escala do projeto, o programa busca a sensação de um lugar pequeno e intimista, promovendo a ponte entre espaço e tempo, indivíduo e coletivo, para a percepção, memória e imaginação através da cultura e patrimônio.

caxias do sul - rs, segundo polo metal-mecânico do brasil, recebe visitantes de todo o país durante todo o ano. atrelado a isso, a cidade é o núcleo da região de vinícolas e da colonização italiana, com diversas rotas turísticas ao seu redor, oportunizando um turismo em crescimento que pode ou estar ligado ou não à viagens à trabalho.

a localização do terreno faz a amarração de um circuito turístico: o centro histórico, é envolvido pela antiga estação férrea, à sudoeste, com vida noturna intensa; o parque dos macaquinhos ao sul; o antigo complexo da maesa, à sudeste, tombado em 2015 e que prevê um extenso programa - inclui mercado público, sala de cinema, biblioteca e centro de convenções; à leste, estará localizado o benvenuto conte.

benvenuto conte chega na colônia de caxias com sua família em 1877 após vender suas poucas posses na itália para conhecer a américa. Inicialmente, construiu uma casa de madeira e, aos poucos foi construindo uma casa de alvenaria de tijolos. ao lado, ergueu o capitel onde guardava as esculturas que entalhava tentando recriar no entalhe a cena do sepultamento de cristo que viu quando fora a jerusalém. após sua morte, os filhos construíram uma capela de alvenaria – que viria a ser a capela do santo sepulcro – no local do capitel e a casa foi vendida para a família abujamra, que a reformou, vendendo-a depois para a família finco, em 1940.
embora se saiba que, ao longo dos anos, a casa tenha sofrido intervenções, não foram localizados documentos que testemunham tais mudanças. sabe-se por relatos que no lugar da sacada atual que vemos na fachada, em cimento, substituiu uma estrutura em ferro.
a capela, projetada por luigi valiera com elementos da arquitetura gótica, além de apresentar o conjunto de 10 imagens esculpidas por benvenute conte representando o sepultamento de cristo, a capela tem obras em gesso, provenientes do atelier de esculturas de michelângelo zambelli, e uma obra de aldo locatelli, artista plástico italiano, na parede sobre o altar, denominada "ressurreição de cristo".
em 12 de dezembro de 2011 o imóvel número 688, avenida júlio de castilhos, é inscrito no livro do tombo do município de caxias do sul e aguarda intervenção. enquanto isso, sofre rigorosamente com as ações do tempo e a falta dos cuidados devidos.

levantamento da casa tombada
segundo juhani pallamaa, “a arquitetura está intrinsecamente envolvida com questões da existência humana no espaço e no tempo”. nossa conexão ao mundo se dá através da nossa vulnerabilidade e incertezas: o antigo, imperfeito devido às ações do tempo, fascina pela sua memória enraizada que se torna coletiva, enquanto que, em construções contemporâneas, a busca pela perfeição rigorosa da era tecnológica é constante, ameaçando a perda da dimensão do tempo e seu processo inevitável e importante do envelhecimento.
o rigor da perfeição pode nos deixar com nada interessante para refletir ou desvendar, tão uniformes que nos levariam às mesmas inevitáveis e pré-fixadas conclusões sobre o espaço. a percepção, memória e imaginação, em interação constante, por outro lado, nos traz o presente fundido à memória e à fantasia.
o projeto proposto explora uma arquitetura sóbria, tela em branco para que as pré-existências possam contar suas histórias. paralelamente, procura se distanciar da experiência pré-fixada, fazendo um convite aos usuários à descobrirem os espaços, antigos e novos, imergindo em cada experiência proposta.

memorial da casa benvenuto conte

os edifiícios e a vegetação formam um volume visual que envolve ambas as preexistências. o envoltório é moldura para o patrimônio histórico.
respeitando as preexistências e fazendo um convite através da curiosidade humana, propõe-se fachadas voltadas para a rua mais opacas ao passo que as internas tem seus elementos verticais mais espaçados, conectando os espaços internos à praça.

o eixo construído mantem a estrutura da avenida. ao iterromper o rítmo da quadra, o pedestre é convidado ao interior do conjunto.

a linearidade do piso convida à entrada do pedestre.
a vegetação se dissolve indicando caminhos, convidando ao interior.
a praça benvenuto, entrada principal, mais seca, cria um novo espaço para receber os visitantes da capela em datas comemorativas, concertos e outros eventos.
o jardim frutífero nos fundos da casa busca resgatar o costume das famílias que ali viveram, de convívio e interação com a natureza.

planta baixa | térreo



respectivamente: spa | habitação | bar terraço


loja zanrosso | vinho e produtos locais

sotão da casa | espaço de estar e degustação

“comunidades [...] expressam sua individualidade pelo modo como se manifestam e transformam o meio onde vivem. na materialidade dos objetos, dos prédios, no desenho das paisagens, na imaterialidade do conhecimento ou na subjetividade dos rituais herdados de gerações passadas se conformam os traços que diferenciam uma coletividade. conhecer, reconhecer, e compartilhar o legado deixado pelos nossos antepassados nos permite sentir que somos parte de uma comunidade, de um grupo, de uma história que é anterior a nós. Ajuda a compreender quem somos e afirma nossa identidade. amplia também a capacidade de formarmos um futuro coletivo, na medida em que permite que identifiquemos nossas semelhanças e diferenças com outras culturas [...].
o patrimônio histórico cultural é, portanto, algo que se constrói, um desafio para o poder público, mas também para os diversos segmentos que compõem a sociedade, pois apropriar-se desta construção é assegurar o direito de inserir a própria história na memória coletiva, transformando-a em herança compartilhada.”
MEZZALIRA, helena

